Ela é o tipo de matéria mais abundante que há. Está em todo lugar, mas ninguém a vê. Os cientistas só sabem que ela existe porque, sem a gravidade que exerce, estrelas pulariam para fora das galáxias. E, como se não bastasse ser invisível, a chamada matéria escura tem driblado teóricos que tentam explicá-la. Uma série de experimentos novos, porém --um deles realizado na "sombra" da Lua-, promete trazer novas pistas para resolver o enigma.
Esse campo de estudo começou a passar por uma reviravolta no ano passado, quando o satélite científico Pamela detectou no espaço um número inesperadamente grande de pósitrons --a partícula elementar equivalente ao elétron, mas com carga positiva. Físicos logo apontaram que o excesso de pósitrons seria fruto de colisões de nuvens de matéria escura no centro da galáxia. O impacto aniquilaria as misteriosas partículas invisíveis, convertendo-as em outras visíveis.
Essa teoria, porém, gerou mais controvérsia do que comemoração. Os misteriosos pósitrons,afinal, não eram muito energéticos, e poderiam estar vindo de objetos como pulsares -corpos estelares com forte campo magnético.
Desde então, físicos experimentais vêm propondo observações que possam confirmar os dados do Pamela capturando partículas mais energéticas --resultantes da violenta aniquilação da matéria escura.
Há uma dificuldade, porém, em distinguir pósitrons de elétrons que chegam à Terra. Ao atravessar a atmosfera, ambos perdem a identidade, e fica impossível saber se as partículas positivas realmente estão em número maior que o esperado.
Mas cientistas trabalhando no Magic --um telescópio das Ilhas Canárias capaz de detectar sinais de elétrons e pósitrons- acabam de propor uma solução. Como o campo magnético da Terra interfere na trajetória de pósitrons e elétrons, a "sombra" da Lua para as primeiras partículas ficaria deslocada das segundas, como na visão de uma pessoa embriagada.
Bastaria então apontar várias vezes o Magic para as bordas da Lua quando ela estiver passando na frente do centro da galáxia e contar os pósitrons.
"Ainda neste ano testaremos a viabilidade dessa medição", disse à Folha Pierre Colin, físico integrante do projeto que elaborou a ideia. "Não vai ser uma coisa fácil, porque a luz do luar gera um sinal de fundo que atrapalha muito, mas queremos trabalhar nisso."
A ideia, lançada no início do mês, colocou a física experimental em clima de corrida. Um telescópio espacial já em órbita, o Fermi/Glast, pode chegar na frente do Magic, sem precisar da Lua.
"Temos a capacidade de medir elétrons e pósitrons, e portanto podemos corroborar medidas feitas por outros experimentos", diz Eduardo do Couto e Silva, brasileiro envolvido no
projeto americano. Segundo ele, a observação de partículas a taxas previstas pelos teóricos "pode dar prêmio Nobel", e há muitos físicos de olho no problema.
Enquanto astrônomos vivem um momento de euforia, porém, físicos lutam para criar hipóteses que acomodem os dados observados sem ter de remendar muito as teorias mais plausíveis. "Ver excesso apenas de pósitrons, por exemplo, é um problema", diz Rogério Rosenfeld, da Unesp.
Segundo ele, as teorias mais limpas indicam que outros tipos de partícula deveriam ser geradas na aniquilação de matéria escura.
Em vez de ajudar a fechar o cerco em torno do enigma, afinal, o Pamela e outros experimentos vêm abrindo o leque de possibilidades. E ainda resta saber se futuras observações vão enxergar a mesma coisa.
Fonte: (1)